Ponto de vista: Inveja como fonte de ideologias que atropelam o mérito Unamuno

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                                                                 JOACI GÓES

À memória de Jorge Ramos!

Miguel de Unamuno (1864-1936), polígrafo, poeta, romancista, filósofo e filólogo basco-espanhol, refletiu, profundamente, sobre o significado da vida e da morte, fonte permanente de inspiração para a maioria dos seus escritos. Ele ficou famoso como autor do hipotético “Discurso da Sobranceria”, ao reagir ao ingresso de militares franquistas, durante a guerra civil espanhola, em 1936, na Universidade de Salamanca.

 Insatisfeito com as explicações dadas pela ciência e pela razão, a respeito da vida eterna, Unamuno defendeu a linha existencial, “do sentido trágico da vida”, preconizadora do agir humano como se a vida tivesse, de fato, um significado transcendental, mesmo levando-se em conta a dúvida que alimentamos a respeito dessa possibilidade. Recorreu, para ilustrar sua tese, aos exemplos de Don Quixote e Jesus Cristo, personalidades que a despeito  de  suas respectivas loucura e dúvidas – talvez, até, por isso mesmo -, cumpriram sua missão, redimindo-se e aos outros. Essa atitude, instruída por uma nítida dimensão religiosa, aproxima-o mais da espiritualidade protestante do que do catolicismo ortodoxo espanhol, de que dá evidência a inclusão de alguns dos seus trabalhos no Index, até o Segundo Conselho Vaticano (Robert Richmond Ellis, The Tragic Pursuit of Beeing: Unamuno and Sartre, 1988). 

Unamuno discorreu, amplamente, sobre a inveja e o ódio, no ensaio La Invidia Hispánica, de 1909, e no romance Abel Sánchez, de 1917, e, com menor intensidade, em outros trabalhos. Para ele, a paixão da inveja é uma “morbidez psíquica”, “uma terrível peste”, “um câncer mortal”, “uma gangrena íntima” a destruir o espírito humano, particularmente “a alma espanhola”. “Somos, coletivamente, um povo invejoso: nós, hispânicos, deste lado do Atlântico, e vocês, nossos descendentes, na margem oposta”. Costumava referir-se a Madri como “Invejópolis”. A inveja seria um traço tão marcante no seu povo que a denominou “lepra nacional espanhola” (La Invidia Hispánica), “fermento da vida social espanhola”, igualmente atuante, por contágio do colonizador espanhol, fazendo com que: “Esta nossa deformação antiga, irmã gêmea do combate que fizemos ao lazer, fosse transmitida por nossos avoengos aos países hispano-americanos, onde floresceu, alastrando ali seu mau cheiro, mais intensamente, do que entre nós”. Segundo Unamuno, tudo isso acontece porque os espanhóis subvertem o Primeiro Mandamento, lendo-o, assim: “Odeia o próximo como a ti mesmo” (Abel Sánchez). Unamuno filiou-se ao pensamento aristotélico, segundo o qual a inveja se desenvolve, precipuamente, entre iguais, ao afirmar que não sentimos inveja “do visitante, mas de nossos vizinhos; não invejamos os mais velhos, nem as pessoas que pertenceram a gerações passadas, mas os nossos amigos, os nossos iguais. Por isso a inveja mais intensa prospera entre irmãos, sendo, decisivamente, um modo de relacionamento entre as pessoas”. Em outro passo aproxima-se de Nietzsche quando sustenta que uma ação, mesmo criminosa, “liberta-nos dos maus sentimentos”, referindo-se à inveja e ao ódio. Igualmente, concorda com Schopenhauer, ao declarar que “a inveja é muito sutil e singularmente criativa para produzir palavras de carinho e de apreço” (Abel Sánchez), bem como “ardis perversos” a fim de “neutralizar os elogios prodigalizados a terceiros” (La Invidia), experiências que viveu na própria pele. 

Sentimento universal, a inveja, segundo Unamuno, “nasce da lassidão espiritual e é filha da estreiteza mental e da ausência de projetos interiores significativos”, fato conducente à “cobiça espiritual” (La Invidia Hispánica) e ao “dogmatismo” (La Agonía del Cristianismo). Sem projetos íntimos sobre os quais apoiar o curso de sua vida, o “invejoso não pode suportar que outrem se distinga”, razão pela qual procura puxá-lo para baixo. As demandas de igualitarismo, da maioria que se sente derrotada sobre a minoria vitoriosa, processam-se em todos os domínios da ação humana. Unamuno destaca duas: as políticas democráticas e as ideologias recorrentes a valores ortodoxos, por entender que ambas visam eliminar qualquer tipo de distinção entre as pessoas (Abel Sánchez).

Na próxima semana, saberemos o que Max Sheler pensou sobre o momentoso tema.

TRIBUNA DA BAHIA

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