Não é de hoje que um movimento perigoso vem ganhando força no Brasil. Ao ler manchetes como Moraes ordena bloqueio de redes sociais de mãe e filho de Zambelli, é impossível não sentir um desconforto diante do rumo que as coisas estão tomando. Mais alarmante ainda é ver o presidente da República voltar a citar um emissário chinês para discutir a “regulamentação das redes sociais”. Tudo isso soa como um ensaio para a censura.
Digo isso, porque nesta semana, o STF retomou o julgamento do Artigo 19 do Marco Civil da Internet. À primeira vista, pode parecer apenas uma questão jurídica e técnica. No entanto, o que está em jogo é de extrema gravidade: trata-se de uma possível mudança na forma como o conteúdo é tratado e removido da internet no Brasil. E, pior, sem a necessidade de decisão judicial.
O Artigo 19, como está hoje, é uma salvaguarda essencial da liberdade de expressão. Ele estabelece que plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos gerados por terceiros caso descumpram uma ordem judicial de remoção. Em outras palavras, cabe à Justiça decidir o que pode ou não permanecer publicado e não à vontade de autoridades ou interesses momentâneos.
Revogar esse artigo é abrir as portas para que qualquer conteúdo seja derrubado arbitrariamente. Basta que alguém, em posição de poder, se sinta ofendido ou queira silenciar uma voz incômoda.
Será que realmente precisamos regulamentar ainda mais algo que já está sob a legislação brasileira? Além disso, a Constituição é clara: a liberdade de expressão é um direito fundamental. Por que, então, o governo insiste em fazer disso uma prioridade?
Boa pergunta! Já que as pesquisas de opinião recentes revelam que essa não é uma preocupação da população. O brasileiro está aflito com a segurança pública, a inflação, o desemprego, a saúde e a educação; temas concretos, urgentes, reais. No entanto, em vez de lidar com esses problemas, os que deveriam estar trabalhando por soluções preferem tentar “calar” a internet.
Por quê?
Porque a internet escancarou o que o poder sempre tentou manter nas sombras. Democratizou a informação, quebrou o monopólio da narrativa e transformou cada cidadão em produtor de conteúdo. E isso incomoda, principalmente, governos com baixa popularidade e tendência ao autoritarismo, ainda mais com um ano eleitoral se aproximando. Afinal, redes sociais livres são um empecilho real para quem quer controlar a informação.
Com isso, vejo com preocupação um consórcio em prol da censura se formando entre partes do Judiciário, do Executivo e da velha mídia. A justificativa é sempre nobre: “combater a desinformação”, “evitar discurso de ódio”, “proteger a democracia”.
Mas pergunto: quem define o que é desinformação? Quem tem o poder de decidir o que é ódio e o que é uma crítica legítima?
George Orwell, em sua obra-prima 1984, alertou sobre os perigos de um poder que se arroga o direito de editar a verdade.
Quem controla o passado, controla o presente; quem controla o presente, controla o futuro.
A frase, retirada de 1984, retrata com precisão os mecanismos da censura. No enredo, o “Ministério da Verdade” reescrevia a história para servir ao regime autoritário descrito no livro. A liberdade era apenas uma ilusão cuidadosamente construída.
Estaríamos trilhando esse mesmo caminho?
Derrubar o Artigo 19 seria um passo decisivo nessa direção retratada em 1984. Deixaria as plataformas digitais à mercê de decisões políticas, ideológicas ou pessoais, permitindo a remoção de conteúdos com base em interesses circunstanciais. Seria um golpe contra a liberdade de todos nós, inclusive daqueles que hoje aplaudem essa investida contra a liberdade, sem perceber que, amanhã, podem ser as próximas vítimas do silêncio.
A liberdade não se perde de uma vez só. Ela se desfaz em pequenos gestos. Cada censura tolerada, cada voz calada, cada conteúdo derrubado sem o devido processo legal nos aproxima ainda mais do abismo.
Por isso, é preciso resistir!
Não apenas por nós, mas pelas próximas gerações. A liberdade de expressão não é privilégio da maioria, é um direito de toda a humanidade.
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Magno Malta é senador da República. Foi eleito por duas vezes o melhor senador do Brasil. |